sexta-feira, 23 de março de 2012

Próclise - Mesóclise - Ênclise - Colocação pronominal


No momento da escrita é natural que surjam alguns questionamentos quanto ao emprego correto de certas expressões, entre elas o emprego dos pronomes oblíquos átonos: o, a, me, te, se, lhe.

Várias vezes nos deparamos com as modalidades de escrita:
“Vou lhe dizer que estou muito feliz/ “Vou dizer-lhe que estou muito feliz.
Mas qual delas é a correta?

Em razão dessas e outras ocorrências é que a partir de agora conheceremos um pouco mais sobre essas particularidades que fazem parte da linguagem formal, e que, via de regra, precisam ser apreendidas por todos nós, principalmente quando se trata da escrita.

A colocação correta desses pronomes em relação ao verbo faz parte da tríade denominada próclise (o pronome vem antes do verbo), mesóclise (vem no meio) e ênclise (vem depois do verbo). A princípio parece ser uma nomenclatura complicada, não é mesmo? Mas depois que as conhecermos, tudo se esclarecerá. Então, vamos lá!

A próclise ocorre mediante os seguintes casos:

-  Com os advérbios de maneira geral:

Aqui se cultiva a paz e a harmonia.

Talvez lhe traga a encomenda que pediu.

Não se preocupe, tudo vai dar certo. 


-  Com os pronomes substantivos:

Todos te ajudarão nesta importante tarefa.

Aquilo me deixou estarrecida. 


-  Com os pronomes relativos:

Os policiais estão à procura do rapaz que se evadiu do local.

O pátio é o lugar onde me sinto à vontade. 


-  Com as conjunções subordinativas:

Farei isso se me for útil.

É necessário que o leve à festa. 


-  Com a preposição seguida de gerúndio:

Em se tratando de saúde, toda cautela é pouco. 

-  Em frases exclamativas e interrogativas:

Quanto me custou ter que partir agora!

Quanto lhe devo por este pedido? 


-  Em frases optativas (que expressam desejos, previsões):

Que o futuro lhe traga sucesso.

Que Deus o abençoe. 


A mesóclise, embora não seja muito usual, somente ocorre com os verbos conjugados no futuro do presente e do pretérito.
 
Comemorar-se-ia o aniversário se todos estivessem presentes.

Planejar-se-ão todos os gastos referentes a este ano. 

E, por último, a ênclise, que tem incidência nos seguintes casos:

-  Em frase iniciada por verbo, desde que não esteja no futuro:

Vou dizer-lhe que estou muito feliz.

Pretendeu-se desvendar todo aquele mistério. 


-  Nas orações reduzidas de infinitivo:

Convém contar-lhe tudo sobre o acontecido. 

-  Nas orações reduzidas de gerúndio:

O diretor apareceu avisando-lhe sobre o início das avaliações. 

- Nas frases imperativas afirmativas:

Senhor, atenda-me, por favor!


(Por Vânia Maria Do Nascimento Duarte)

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Os cem erros mais comuns na Língua Portuguesa

Fonte: Estadão.com.br

Erros gramaticais e ortográficos devem, por princípio, ser evitados. Alguns, no entanto, como ocorrem com maior frequência, merecem atenção redobrada. O primeiro capítulo deste manual inclui explicações mais completas a respeito de cada um deles. Veja os cem mais comuns do idioma e use esta relação como um roteiro para fugir deles.

1 - "Mal cheiro", "mau-humorado". Mal opõe-se a bem e mau, a bom. Assim: mau cheiro (bom cheiro), mal-humorado (bem-humorado). Igualmente: mau humor, mal-intencionado, mau jeito, mal-estar.

2 - "Fazem" cinco anos. Fazer, quando exprime tempo, é impessoal: Faz cinco anos. / Fazia dois séculos. / Fez 15 dias.

3 - "Houveram" muitos acidentes. Haver, como existir, também é invariável: Houve muitos acidentes. / Havia muitas pessoas. / Deve haver muitos casos iguais.

4 - "Existe" muitas esperanças. Existir, bastar, faltar, restar e sobrar admitem normalmente o plural: Existem muitas esperanças. / Bastariam dois dias. / Faltavam poucas peças. / Restaram alguns objetos. / Sobravam idéias.

5 - Para "mim" fazer. Mim não faz, porque não pode ser sujeito. Assim: Para eu fazer, para eu dizer, para eu trazer.

6 - Entre "eu" e você. Depois de preposição, usa-se mim ou ti: Entre mim e você. / Entre eles e ti.

7 - "Há" dez anos "atrás". Há e atrás indicam passado na frase. Use apenas há dez anos ou dez anos atrás.

8 - "Entrar dentro". O certo: entrar em. Veja outras redundâncias: Sair fora ou para fora, elo de ligação, monopólio exclusivo, já não há mais, ganhar grátis, viúva do falecido.

9 - "Venda à prazo". Não existe crase antes de palavra masculina, a menos que esteja subentendida a palavra moda: Salto à (moda de) Luís XV. Nos demais casos: A salvo, a bordo, a pé, a esmo, a cavalo, a caráter.

10 - "Porque" você foi? Sempre que estiver clara ou implícita a palavra razão, use por que separado: Por que (razão) você foi? / Não sei por que (razão) ele faltou. / Explique por que razão você se atrasou. Porque é usado nas respostas: Ele se atrasou porque o trânsito estava congestionado.

11 - Vai assistir "o" jogo hoje. Assistir como presenciar exige a: Vai assistir ao jogo, à missa, à sessão. Outros verbos com a: A medida não agradou (desagradou) à população. / Eles obedeceram (desobedeceram) aos avisos. / Aspirava ao cargo de diretor. / Pagou ao amigo. / Respondeu à carta. / Sucedeu ao pai. / Visava aos estudantes.

12 - Preferia ir "do que" ficar. Prefere-se sempre uma coisa a outra: Preferia ir a ficar. É preferível segue a mesma norma: É preferível lutar a morrer sem glória.

13 - O resultado do jogo, não o abateu. Não se separa com vírgula o sujeito do predicado. Assim: O resultado do jogo não o abateu. Outro erro: O prefeito prometeu, novas denúncias. Não existe o sinal entre o predicado e o complemento: O prefeito prometeu novas denúncias.

14 - Não há regra sem "excessão". O certo é exceção. Veja outras grafias erradas e, entre parênteses, a forma correta: "paralizar" (paralisar), "beneficiente" (beneficente), "xuxu" (chuchu), "previlégio" (privilégio), "vultuoso" (vultoso), "cincoenta" (cinqüenta), "zuar" (zoar), "frustado" (frustrado), "calcáreo" (calcário), "advinhar" (adivinhar), "benvindo" (bem-vindo), "ascenção" (ascensão), "pixar" (pichar), "impecilho" (empecilho), "envólucro" (invólucro).

15 - Quebrou "o" óculos. Concordância no plural: os óculos, meus óculos. Da mesma forma: Meus parabéns, meus pêsames, seus ciúmes, nossas férias, felizes núpcias.

16 - Comprei "ele" para você. Eu, tu, ele, nós, vós e eles não podem ser objeto direto. Assim: Comprei-o para você. Também: Deixe-os sair, mandou-nos entrar, viu-a, mandou-me.

17 - Nunca "lhe" vi. Lhe substitui a ele, a eles, a você e a vocês e por isso não pode ser usado com objeto direto: Nunca o vi. / Não o convidei. / A mulher o deixou. / Ela o ama.

18 - "Aluga-se" casas. O verbo concorda com o sujeito: Alugam-se casas. / Fazem-se consertos. / É assim que se evitam acidentes. / Compram-se terrenos. / Procuram-se empregados.

19 - "Tratam-se" de. O verbo seguido de preposição não varia nesses casos: Trata-se dos melhores profissionais. / Precisa-se de empregados. / Apela-se para todos. / Conta-se com os amigos.

20 - Chegou "em" São Paulo. Verbos de movimento exigem a, e não em: Chegou a São Paulo. / Vai amanhã ao cinema. / Levou os filhos ao circo.

21 - Atraso implicará "em" punição. Implicar é direto no sentido de acarretar, pressupor: Atraso implicará punição. / Promoção implica responsabilidade.

22 - Vive "às custas" do pai. O certo: Vive à custa do pai. Use também em via de, e não "em vias de": Espécie em via de extinção. / Trabalho em via de conclusão.

23 - Todos somos "cidadões". O plural de cidadão é cidadãos. Veja outros: caracteres (de caráter), juniores, seniores, escrivães, tabeliães, gângsteres.

24 - O ingresso é "gratuíto". A pronúncia correta é gratúito, assim como circúito, intúito e fortúito (o acento não existe e só indica a letra tônica). Da mesma forma: flúido, condôr, recórde, aváro, ibéro, pólipo.

25 - A última "seção" de cinema. Seção significa divisão, repartição, e sessão equivale a tempo de uma reunião, função: Seção Eleitoral, Seção de Esportes, seção de brinquedos; sessão de cinema, sessão de pancadas, sessão do Congresso.

26 - Vendeu "uma" grama de ouro. Grama, peso, é palavra masculina: um grama de ouro, vitamina C de dois gramas. Femininas, por exemplo, são a agravante, a atenuante, a alface, a cal, etc.

27 - "Porisso". Duas palavras, por isso, como de repente e a partir de.

28 - Não viu "qualquer" risco. É nenhum, e não "qualquer", que se emprega depois de negativas: Não viu nenhum risco. / Ninguém lhe fez nenhum reparo. / Nunca promoveu nenhuma confusão.

29 - A feira "inicia" amanhã. Alguma coisa se inicia, se inaugura: A feira inicia-se (inaugura-se) amanhã.

30 - Soube que os homens "feriram-se". O que atrai o pronome: Soube que os homens se feriram. / A festa que se realizou... O mesmo ocorre com as negativas, as conjunções subordinativas e os advérbios: Não lhe diga nada. / Nenhum dos presentes se pronunciou. / Quando se falava no assunto... / Como as pessoas lhe haviam dito... / Aqui se faz, aqui se paga. / Depois o procuro.

31 - O peixe tem muito "espinho". Peixe tem espinha. Veja outras confusões desse tipo: O "fuzil" (fusível) queimou. / Casa "germinada" (geminada), "ciclo" (círculo) vicioso, "cabeçário" (cabeçalho).

32 - Não sabiam "aonde" ele estava. O certo: Não sabiam onde ele estava. Aonde se usa com verbos de movimento, apenas: Não sei aonde ele quer chegar. / Aonde vamos?

33 - "Obrigado", disse a moça. Obrigado concorda com a pessoa: "Obrigada", disse a moça. / Obrigado pela atenção. / Muito obrigados por tudo.

34 - O governo "interviu". Intervir conjuga-se como vir. Assim: O governo interveio. Da mesma forma: intervinha, intervim, interviemos, intervieram. Outros verbos derivados: entretinha, mantivesse, reteve, pressupusesse, predisse, conviesse, perfizera, entrevimos, condisser, etc.

35 - Ela era "meia" louca. Meio, advérbio, não varia: meio louca, meio esperta, meio amiga.

36 - "Fica" você comigo. Fica é imperativo do pronome tu. Para a 3.ª pessoa, o certo é fique: Fique você comigo. / Venha pra Caixa você também. / Chegue aqui.

37 - A questão não tem nada "haver" com você. A questão, na verdade, não tem nada a ver ou nada que ver. Da mesma forma: Tem tudo a ver com você.

38 - A corrida custa 5 "real". A moeda tem plural, e regular: A corrida custa 5 reais.

39 - Vou "emprestar" dele. Emprestar é ceder, e não tomar por empréstimo: Vou pegar o livro emprestado. Ou: Vou emprestar o livro (ceder) ao meu irmão. Repare nesta concordância: Pediu emprestadas duas malas.

40 - Foi "taxado" de ladrão. Tachar é que significa acusar de: Foi tachado de ladrão. / Foi tachado de leviano.

41 - Ele foi um dos que "chegou" antes. Um dos que faz a concordância no plural: Ele foi um dos que chegaram antes (dos que chegaram antes, ele foi um). / Era um dos que sempre vibravam com a vitória.

42 - "Cerca de 18" pessoas o saudaram. Cerca de indica arredondamento e não pode aparecer com números exatos: Cerca de 20 pessoas o saudaram.

43 - Ministro nega que "é" negligente. Negar que introduz subjuntivo, assim como embora e talvez: Ministro nega que seja negligente. / O jogador negou que tivesse cometido a falta. / Ele talvez o convide para a festa. / Embora tente negar, vai deixar a empresa.

44 - Tinha "chego" atrasado. "Chego" não existe. O certo: Tinha chegado atrasado.

45 - Tons "pastéis" predominam. Nome de cor, quando expresso por substantivo, não varia: Tons pastel, blusas rosa, gravatas cinza, camisas creme. No caso de adjetivo, o plural é o normal: Ternos azuis, canetas pretas, fitas amarelas.

46 - Lute pelo "meio-ambiente". Meio ambiente não tem hífen, nem hora extra, ponto de vista, mala direta, pronta entrega, etc. O sinal aparece, porém, em mão-de-obra, matéria-prima, infra-estrutura, primeira-dama, vale-refeição, meio-de-campo, etc.

47 - Queria namorar "com" o colega. O com não existe: Queria namorar o colega.

48 - O processo deu entrada "junto ao" STF. Processo dá entrada no STF. Igualmente: O jogador foi contratado do (e não "junto ao") Guarani. / Cresceu muito o prestígio do jornal entre os (e não "junto aos") leitores. / Era grande a sua dívida com o (e não "junto ao") banco. / A reclamação foi apresentada ao (e não "junto ao") Procon.

49 - As pessoas "esperavam-o". Quando o verbo termina em m, ão ou õe, os pronomes o, a, os e as tomam a forma no, na, nos e nas: As pessoas esperavam-no. / Dão-nos, convidam-na, põe-nos, impõem-nos.

50 - Vocês "fariam-lhe" um favor? Não se usa pronome átono (me, te, se, lhe, nos, vos, lhes) depois de futuro do presente, futuro do pretérito (antigo condicional) ou particípio. Assim: Vocês lhe fariam (ou far-lhe-iam) um favor? / Ele se imporá pelos conhecimentos (e nunca "imporá-se"). / Os amigos nos darão (e não "darão-nos") um presente. / Tendo-me formado (e nunca tendo "formado-me").

51 - Chegou "a" duas horas e partirá daqui "há" cinco minutos. indica passado e equivale a faz, enquanto a exprime distância ou tempo futuro (não pode ser substituído por faz): Chegou há (faz) duas horas e partirá daqui a (tempo futuro) cinco minutos. / O atirador estava a (distância) pouco menos de 12 metros. / Ele partiu há (faz) pouco menos de dez dias.

52 - Blusa "em" seda. Usa-se de, e não em, para definir o material de que alguma coisa é feita: Blusa de seda, casa de alvenaria, medalha de prata, estátua de madeira.

53 - A artista "deu à luz a" gêmeos. A expressão é dar à luz, apenas: A artista deu à luz quíntuplos. Também é errado dizer: Deu "a luz a" gêmeos.

54 - Estávamos "em" quatro à mesa. O em não existe: Estávamos quatro à mesa. / Éramos seis. / Ficamos cinco na sala.

55 - Sentou "na" mesa para comer. Sentar-se (ou sentar) em é sentar-se em cima de. Veja o certo: Sentou-se à mesa para comer. / Sentou ao piano, à máquina, ao computador.

56 - Ficou contente "por causa que" ninguém se feriu. Embora popular, a locução não existe. Use porque: Ficou contente porque ninguém se feriu.

57 - O time empatou "em" 2 a 2. A preposição é por: O time empatou por 2 a 2. Repare que ele ganha por e perde por. Da mesma forma: empate por.

58 - À medida "em" que a epidemia se espalhava... O certo é: À medida que a epidemia se espalhava... Existe ainda na medida em que (tendo em vista que): É preciso cumprir as leis, na medida em que elas existem.

59 - Não queria que "receiassem" a sua companhia. O i não existe: Não queria que receassem a sua companhia. Da mesma forma: passeemos, enfearam, ceaste, receeis (só existe i quando o acento cai no e que precede a terminação ear: receiem, passeias, enfeiam).

60 - Eles "tem" razão. No plural, têm é assim, com acento. Tem é a forma do singular. O mesmo ocorre com vem e vêm e põe e põem: Ele tem, eles têm; ele vem, eles vêm; ele põe, eles põem.

61 - A moça estava ali "há" muito tempo. Haver concorda com estava. Portanto: A moça estava ali havia (fazia) muito tempo. / Ele doara sangue ao filho havia (fazia) poucos meses. / Estava sem dormir havia (fazia) três meses. (O havia se impõe quando o verbo está no imperfeito e no mais-que-perfeito do indicativo.)

62 - Não "se o" diz. É errado juntar o se com os pronomes o, a, os e as. Assim, nunca use: Fazendo-se-os, não se o diz (não se diz isso), vê-se-a, etc.

63 - Acordos "políticos-partidários". Nos adjetivos compostos, só o último elemento varia: acordos político-partidários. Outros exemplos: Bandeiras verde-amarelas, medidas econômico-financeiras, partidos social-democratas.

64 - Fique "tranquilo". O u pronunciável depois de q e g e antes de e e i exige trema: Tranqüilo, conseqüência, lingüiça, agüentar, Birigüi.

65 - Andou por "todo" país. Todo o (ou a) é que significa inteiro: Andou por todo o país (pelo país inteiro). / Toda a tripulação (a tripulação inteira) foi demitida. Sem o, todo quer dizer cada, qualquer: Todo homem (cada homem) é mortal. / Toda nação (qualquer nação) tem inimigos.

66 - "Todos" amigos o elogiavam. No plural, todos exige os: Todos os amigos o elogiavam. / Era difícil apontar todas as contradições do texto.

67 - Favoreceu "ao" time da casa. Favorecer, nesse sentido, rejeita a: Favoreceu o time da casa. / A decisão favoreceu os jogadores.

68 - Ela "mesmo" arrumou a sala. Mesmo, quanto equivale a próprio, é variável: Ela mesma (própria) arrumou a sala. / As vítimas mesmas recorreram à polícia.

69 - Chamei-o e "o mesmo" não atendeu. Não se pode empregar o mesmo no lugar de pronome ou substantivo: Chamei-o e ele não atendeu. / Os funcionários públicos reuniram-se hoje: amanhã o país conhecerá a decisão dos servidores (e não "dos mesmos").

70 - Vou sair "essa" noite. É este que desiga o tempo no qual se está ou objeto próximo: Esta noite, esta semana (a semana em que se está), este dia, este jornal (o jornal que estou lendo), este século (o século 20).

71 - A temperatura chegou a 0 "graus". Zero indica singular sempre: Zero grau, zero-quilômetro, zero hora.

72 - A promoção veio "de encontro aos" seus desejos. Ao encontro de é que expressa uma situação favorável: A promoção veio ao encontro dos seus desejos. De encontro a significa condição contrária: A queda do nível dos salários foi de encontro às (foi contra) expectativas da categoria.

73 - Comeu frango "ao invés de" peixe. Em vez de indica substituição: Comeu frango em vez de peixe. Ao invés de significa apenas ao contrário: Ao invés de entrar, saiu.

74 - Se eu "ver" você por aí... O certo é: Se eu vir, revir, previr. Da mesma forma: Se eu vier (de vir), convier; se eu tiver (de ter), mantiver; se ele puser (de pôr), impuser; se ele fizer (de fazer), desfizer; se nós dissermos (de dizer), predissermos.

75 - Ele "intermedia" a negociação. Mediar e intermediar conjugam-se como odiar: Ele intermedeia (ou medeia) a negociação. Remediar, ansiar e incendiar também seguem essa norma: Remedeiam, que eles anseiem, incendeio.

76 - Ninguém se "adequa". Não existem as formas "adequa", "adeqüe", etc., mas apenas aquelas em que o acento cai no a ou o: adequaram, adequou, adequasse, etc.

77 - Evite que a bomba "expluda". Explodir só tem as pessoas em que depois do d vêm e e i: Explode, explodiram, etc. Portanto, não escreva nem fale "exploda" ou "expluda", substituindo essas formas por rebente, por exemplo. Precaver-se também não se conjuga em todas as pessoas. Assim, não existem as formas "precavejo", "precavês", "precavém", "precavenho", "precavenha", "precaveja", etc.

78 - Governo "reavê" confiança. Equivalente: Governo recupera confiança. Reaver segue haver, mas apenas nos casos em que este tem a letra v: Reavemos, reouve, reaverá, reouvesse. Por isso, não existem "reavejo", "reavê", etc.

79 - Disse o que "quiz". Não existe z, mas apenas s, nas pessoas de querer e pôr: Quis, quisesse, quiseram, quiséssemos; pôs, pus, pusesse, puseram, puséssemos.

80 - O homem "possue" muitos bens. O certo: O homem possui muitos bens. Verbos em uir só têm a terminação ui: Inclui, atribui, polui. Verbos em uar é que admitem ue: Continue, recue, atue, atenue.

81 - A tese "onde"... Onde só pode ser usado para lugar: A casa onde ele mora. / Veja o jardim onde as crianças brincam. Nos demais casos, use em que: A tese em que ele defende essa idéia. / O livro em que... / A faixa em que ele canta... / Na entrevista em que...

82 - Já "foi comunicado" da decisão. Uma decisão é comunicada, mas ninguém "é comunicado" de alguma coisa. Assim: Já foi informado (cientificado, avisado) da decisão. Outra forma errada: A diretoria "comunicou" os empregados da decisão. Opções corretas: A diretoria comunicou a decisão aos empregados. / A decisão foi comunicada aos empregados.

83 - Venha "por" a roupa. Pôr, verbo, tem acento diferencial: Venha pôr a roupa. O mesmo ocorre com pôde (passado): Não pôde vir. Veja outros: fôrma, pêlo e pêlos (cabelo, cabelos), pára (verbo parar), péla (bola ou verbo pelar), pélo (verbo pelar), pólo e pólos. Perderam o sinal, no entanto: Ele, toda, ovo, selo, almoço, etc.

84 - "Inflingiu" o regulamento. Infringir é que significa transgredir: Infringiu o regulamento. Infligir (e não "inflingir") significa impor: Infligiu séria punição ao réu.

85 - A modelo "pousou" o dia todo. Modelo posa (de pose). Quem pousa é ave, avião, viajante, etc. Não confunda também iminente (prestes a acontecer) com eminente (ilustre). Nem tráfico (contrabando) com tráfego (trânsito).

86 - Espero que "viagem" hoje. Viagem, com g, é o substantivo: Minha viagem. A forma verbal é viajem (de viajar): Espero que viajem hoje. Evite também "comprimentar" alguém: de cumprimento (saudação), só pode resultar cumprimentar. Comprimento é extensão. Igualmente: Comprido (extenso) e cumprido (concretizado).

87 - O pai "sequer" foi avisado. Sequer deve ser usado com negativa: O pai nem sequer foi avisado. / Não disse sequer o que pretendia. / Partiu sem sequer nos avisar.

88 - Comprou uma TV "a cores". Veja o correto: Comprou uma TV em cores (não se diz TV "a" preto e branco). Da mesma forma: Transmissão em cores, desenho em cores.

89 - "Causou-me" estranheza as palavras. Use o certo: Causaram-me estranheza as palavras. Cuidado, pois é comum o erro de concordância quando o verbo está antes do sujeito. Veja outro exemplo: Foram iniciadas esta noite as obras (e não "foi iniciado" esta noite as obras).

90 - A realidade das pessoas "podem" mudar. Cuidado: palavra próxima ao verbo não deve influir na concordância. Por isso : A realidade das pessoas pode mudar. / A troca de agressões entre os funcionários foi punida (e não "foram punidas").

91 - O fato passou "desapercebido". Na verdade, o fato passou despercebido, não foi notado. Desapercebido significa desprevenido.

92 - "Haja visto" seu empenho... A expressão é haja vista e não varia: Haja vista seu empenho. / Haja vista seus esforços. / Haja vista suas críticas.

93 - A moça "que ele gosta". Como se gosta de, o certo é: A moça de que ele gosta. Igualmente: O dinheiro de que dispõe, o filme a que assistiu (e não que assistiu), a prova de que participou, o amigo a que se referiu, etc.

94 - É hora "dele" chegar. Não se deve fazer a contração da preposição com artigo ou pronome, nos casos seguidos de infinitivo: É hora de ele chegar. / Apesar de o amigo tê-lo convidado... / Depois de esses fatos terem ocorrido...

95 - Vou "consigo". Consigo só tem valor reflexivo (pensou consigo mesmo) e não pode substituir com você, com o senhor. Portanto: Vou com você, vou com o senhor. Igualmente: Isto é para o senhor (e não "para si").

96 - Já "é" 8 horas. Horas e as demais palavras que definem tempo variam: Já são 8 horas. / Já é (e não "são") 1 hora, já é meio-dia, já é meia-noite.

97 - A festa começa às 8 "hrs.". As abreviaturas do sistema métrico decimal não têm plural nem ponto. Assim: 8 h, 2 km (e não "kms."), 5 m, 10 kg.

98 - "Dado" os índices das pesquisas... A concordância é normal: Dados os índices das pesquisas... / Dado o resultado... / Dadas as suas idéias...

99 - Ficou "sobre" a mira do assaltante. Sob é que significa debaixo de: Ficou sob a mira do assaltante. / Escondeu-se sob a cama. Sobre equivale a em cima de ou a respeito de: Estava sobre o telhado. / Falou sobre a inflação. E lembre-se: O animal ou o piano têm cauda e o doce, calda. Da mesma forma, alguém traz alguma coisa e alguém vai para trás.

100 - "Ao meu ver". Não existe artigo nessas expressões: A meu ver, a seu ver, a nosso ver.

O Anjo mais belo de todos



O Diabo na rua, no meio do redemoinho - e na literatura. O professor da Universidade de São Paulo, João Adolfo Hansen, discorre, em artigo, sobre as diversas manifestações diabólicas na literatura

O diabo não é, mas passa a existir como um sentido, um efeito ou um resto, quando dizemos o seu nome ou falamos dele: "Falou do diabo, aparece o rabo". No imaginário social, ele corresponde à força do desejo que, fazendo o homem querer ser querido do Outro, joga com as coisas, deslocando-as da ordem considerada normal e natural. A força é evidenciada já no seu nome, diábolon, do grego diá (através de) + ballein (lançar; jogar). No imaginário, sua figura monstruosa e suas artes malvadas materializam a negação e as ações "do contra" desse "através" que joga com as regras, subvertendo-as para deixar o proibido vir à tona. Quando vem, o diabo pode assumir todas as formas porque não é substancial. A multiplicidade das suas formas corresponde à multiplicidade dos efeitos da sua ação como jogo, fingimento, duplicidade, alteridade, separação, divisão, dispersão, dissolução e, principalmente, negação.

Como se sabe, as instituições sociais produzem as perversões com que confirmam a legitimidade de suas regras. Há ladrões de bancos para justificar a existência da polícia que garante a existência de banqueiros. Por isso mesmo, o diabo é sempre ambíguo, pois nunca se sabe realmente em que time joga quando aparece para os que desejam o proibido, propondo-lhes sutilmente: "por que não?". Sabemos que, se fazem o que desejam, erram e pecam, tornando-se casos exemplares do que a regra interdita. Os jesuítas do século XVI, por exemplo, usam os nomes de chefes tamoios que recusaram a dominação portuguesa e foram mortos por Mem de Sá para batizar o diabo como personagem de autos onde fala tupi. Na Bahia do século XVII, como lemos na poesia atribuída a Gregório de Matos e Guerra, o diabo vinha à noite, principalmente no São João, na forma de mulato com pés de bode e capa. Ele era invocado pelos que desejavam ser outros, caindo fora do que as instituições determinavam. O diabo era o "Cabra" e o "Cabrão", termos ainda usados como insultos racistas em que a incontinência sexual associada ao bode se mistura com outras marcas de animalidade pondo o tipo insultado para fora da cultura. Fazendo jus à sua falta de Bem, o diabo baiano do século XVII fazia frio, como o de Dante. Seu órgão gelado, em forma de saca-rolhas, era eroticamente manipulado nos cultos heréticos dos calundus. Suas amantes tornavam-se bruxas que não o beijavam na boca, mas numa parte outra, invertendo sacrilegamente os signos do amor cristão, enquanto o Cujo exalava gases que parodiavam o incenso das missas. Obviamente, o Santo Ofício da Inquisição queimava esses hereges para manter a pureza da fé.

Cristãmente, o diabo foi o anjo mais belo de todos, Lúcifer, o portador da luz, expulso do Céu porque se opôs a Deus. Desde a queda, compete com Ele, mas não é outra divindade, como se fosse um princípio do mal. Foi criado por Deus e sua relação com Ele tem tudo a ver com a dialética do escravo e seu senhor ou a do empregado e seu patrão. Sua definição cristã é negativa: falta de Bem. O mal não é essencial, ainda que a livre escolha dele conduza diretamente ao Inferno, como lemos em Dante Alighieri, que na Divina Comédia torna a metafísica poeticamente sensível. Pondo Lúcifer no último canto do Inferno, no fundo do abismo cavado por sua queda, Dante fala dos três ventos frios produzidos por seus três pares de asas de morcego que congelam um dos rios do Inferno, o Cocito. Deus é Luz, fogo do Amor; o Inferno é treva e gelo. Lúcifer tem três caras que sofrem horrivelmente numa única cabeça. O vermelho do ódio da cara do meio, o branco amarelado da impotência da cara da direita, o negro da ignorância da cara da esquerda negam o Amor, a Potência e a Sabedoria das Três Pessoas da Trindade, enquanto seus seis olhos choram sem parar, molhando as três barbichas, por onde escorre a baba sanguinolenta das três bocas que trituram almas de traidores, Judas, Bruto e Cássio (Inf. XXXIV).

A inteligência angélica do diabo cristão faz dele um dos maiores especialistas na alma humana. Como um macaco de Deus, cria fantasmagorias com que manipula o desejo de honrarias, riquezas, prazeres, poder e conhecimento para perder o homem. Deve ser evidente que toda crença pressupõe e produz a obediência com que as coisas são mantidas sob controle. Desde o início do Cristianismo, o motivo diabólico associa-se intimamente ao motivo do conhecimento. O conhecimento nunca é natural, pois sempre nasce de um ato de violência que, por descrer da ordem natural das coisas, não obedece às verdades sobre elas que são impostas e controladas pelas instituições sociais. O motivo antigo de Fausto, o homem que, por desejar o conhecimento total, descrê e não obedece à regra da sua religião, é figurado no grande texto do elizabetano Christopher Marlowe, The Tragical History of Dr. Faustus (1588/89). A peça transforma histórias medievais sobre um erudito alemão desesperado com o pouco saber e a falta de amor, Fausto, que assina um contrato com o Outro, comprometendo-se a entregar-lhe a alma em troca do que mais deseja. Após vinte anos, depois de ter gozado o poder que adquiriu, chega a hora da cobrança. Fausto pede perdão a Deus, mas assinou o pacto livremente e o diabo leva o que merece. Em outros textos de grande arte, o diabo muitas vezes assume a grandeza negativa do tipo que afirma a liberdade: "Non serviam", "Não servirei". É o caso de Satã, no Paraíso Perdido, de Milton. Quando é diabo espanhol e católico, aguarda o pecador com coisas terríveis, como o convidado de pedra que, na peça de Tirso de Molina, O Burlador de Sevilha, arrasta D. Juan Tenório para as profundas.

Nos séculos XVIII e XIX, grandes artistas românticos representaram o diabo como encarnação da ironia que inverte e nega a normalidade e a naturalidade das coisas. Mefistófeles, o diabo do Doutor Fausto, de Goethe, é um intelectual irônico e cético, representando o princípio romântico da insatisfação e negação das coisas finitas. O diabo também comparece em Dom Casmurro e num conto de Machado de Assis, A Igreja do Diabo, no qual os homens que abandonam Deus e entram para a igreja do diabo continuam os mesmos, pois, continuando a crer, demonstram que não sabem ser livres. O tema do conhecimento fáustico tratado por Marlowe e Goethe é retomado por Thomas Mann, no romance Doutor Fausto, em que a música de vanguarda do personagem Adrien Leverkühn tem como fundo o pacto demoníaco do povo alemão com o nazismo.

Podia-se perguntar o que vem a ser "vender a alma". Uma resposta é dada no extraordinário Grande Sertão: Veredas, de João Guimarães Rosa, que retoma o tema de Fausto. No romance, Deus e o diabo são interpretações culturais do sertão feitas da perspectiva do narrador, o sertanejo Riobaldo: Deus é a Regra ou o princípio da ordem e do sentido das relações sociais sertanejas dominadas pela violência dos coronéis latifundiários. Quanto ao diabo, corresponde ao imaginário da força do poder. Riobaldo lembra que, no passado, prestou serviços aos coronéis como "raso jagunço atirador, cachorrando pelo sertão". Um dia quis ser outro e, levado pelo amor de um amigo e pelo desejo de poder, invocou o diabo. Ele não apareceu existente, mas Riobaldo entendeu a ausência justamente como presença e fez o pacto com ele. No sertão - que é o mundo - invocar o diabo significa desejar o imaginário da força. E, fazer o pacto com ele, apropriar-se da força do imaginário para virar outro com o Outro. É o que acontece com Riobaldo, que passa a ter idéias, fica falante e torna-se chefe do bando de jagunços, dominando o sertão. Mas o poder o deixa cego para o que é mais evidente e ele paga um preço alto por ter acreditado no diabo.

Os textos literários demonstram que pactos com o diabo preenchem uma falta de ser. Quem os faz passa, aparentemente, para o outro lado da regra. Mas continua efetivamente a seguir regras, entre elas a da economia que determina o preço, a mercadoria e a data da entrega. Em todos os casos, talvez fosse possível supor que, no teatro da vida humana, o diabo é só mais uma convenção dramática de Deus. Ele permite que o diabo faça das suas no palco até certo ponto, quando intervém, ou com a demissão sumária ou com a contratação definitiva dos atores, para novamente demonstrar-lhes sua lição sempre exemplarmente didática como diretor da peça: ninguém sai da instituição. Para o homem, não há vida fora da regra e, no simbólico, tudo é pacto.



João Adolfo Hansen é professor do Departamento de Letras da Universidade de São Paulo - USP e estudioso do Diabo em Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Como a Fonética explica o Beijo

Linguística

Diante da cena romântica de dois “ficantes”, a sala esperou minha reação e um dos alunos, resolveu, então, me provocar: “ E aí, professor, o que tem a ver beijo com aula de fonética?”. E, como aceitando a provocação, respondi convicto: “Gente, parece até brincadeira, mas beijo tem mais a ver com nossa aula de fonética do que com o afeto daqueles dois”. E continuei: “Acho que o episódio de hoje é um bom exemplo para entendermos todas as consoantes do português que envolvem os lábios e a língua”. Claro, a gargalhada foi geral.

Na fonética, temos consoantes bilabiais como nas palavras pera, bola e mala em que os sons são produzidos por um falante, com os lábios unidos. Falantes de uma língua portuguesa também podem produzir sons labiodentais, como nas palavras faca e vaca, em que o lábio interior toca os dentes incisivos superiores. Temos nas palavras vaca e faca, as fricativas /v/ e /f/ que são, a rigor, monolabiais, uma vez que são os únicos sons da fala em que apenas um dos lábios é o articulador principal.

E o beijo? O que é o beijo, foneticamente e fisiologicamente, falando? Nada mais é do que o ato ou efeito de tocar, pressionando, os lábios sobre qualquer parte do corpo de uma pessoa, animal, ou sobre objeto querido ou com valor simbólico, podendo incluir também movimentos de sucção, geralmente, para demonstrar carinho e afeto.O beijo só é beijo de verdade, digamos assim, quando envolve duas bocas ou quatro lábios. Por isso, o beijo é foneticamente uma articulação quadrilabial.

Decerto, um beijo para ser dado não precisa necessariamente de lábios. A mão, por exemplo, pode ser o destino de um beijo. Nesse caso, aquele que beija faz roçar suavemente os lábios nas mãos ou no rosto em sinal de reverência, deferência, veneração. Mas ocorre, também, o beijo de língua, aquele em que se tocam as línguas das duas pessoas que se beijam. Na religião, o beijo era dado entre os primitivos cristãos em sinal de união fraterna.

Voltando à cena de beijo na sala de aula, recordo que, em um tom de humor, convidei um dos “ficantes” para vir à frente da sala. O rapaz, então, a princípio acanhado, aproximou-se de mim e os colegas, então, ficaram numa expectativa febril do que poderia acontecer. Pedi-lhe que ficasse de frente para os colegas e que deixasse seus lábios naturalmente relaxados. Ele seguiu à instrução destemido. Apontei para os lábios do aluno, inferior e superior, e disse, como numa heurística, “observem, caros alunos, que este sr. aqui, como bom representante da espécie humana, traz – apontando, sem tocar, para a boca do aluno - dois lábios, ou seja, duas partes carnudas”. Em seguida, pedi que o rapaz repetisse os movimentos feitos durante seu beijo. Ao começar a mover os lábios, fui magistral: “Vejam – ó ó ó – que estes lábios são móveis e que constituem externamente o contorno da boca”.

Um dos alunos maliciosos da “turma da bagunça”, provocou: “ Professor, e a ficante do sexo feminino não serve para ser objeto de seus exemplos, não teria outros lábios para mostrar pra gente”. Entendi perfeitamente a malícia do aluno perguntador e me saí assim, fazendo as vezes de um educador sexual: “ é verdade, pessoal, as mulheres, além dos lábios generosos situados na boca, como os do sexo masculino, possuem os grandes lábios, que são dobras cutâneas múltiplas situadas no vestíbulo da vulva da mulher e das fêmeas dos mamíferos em geral”. Pela escuta ativa, acho que naquele dia, safei-me daquele embaraço e, com tanta explicação científica, decerto, aumentei uns pontinhos no “ibope”.

Aprendi, no decorrer de mais de duas décadas de magistério, que, em sala de aula, toda provocação de aluno deve ser respondida, sempre que possível, com novos saberes. Quanto mais compreendemos nossos alunos e mais atendemos seu centro de interesse, mas somos reverenciados como mestres de experiências, ciências e saberes. Quanto mais dialogamos, mais somos amados e o magistério deixa de ser ensino e passa a ser o reino da contemplação do saber.

Vicente Martins é palestrante, professor da Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA), em Sobral, Ceará. Dedica-se, entusiasticamente, ao estudo das dificuldades de aprendizagem relacionadas com a linguagem (dislexia, disgrafia e disortografia). E-mail: vicente.martins@uol.com.br

Floretes agudos e porretes grossos - de João Adolfo Hansen

especial para a Folha de São Paulo


No Antigo Regime, dizia Adorno, a sátira aparecia como o florete agudo da distinção virtuosa dos melhores. Depois de algumas revoluções, deveria aparecer como o porrete grosso dos privilégios.

Hoje, apropriações de ''Gregório de Matos'', classificação de um corpus poético colonial, ainda fazem o nome reencarnar-se retrospectivamente no seu tempo, o século 17, como um indivíduo liberal-libertino-libertário a profetizar o advento do ''Barroco'' e dos ''neo-Neo'' no retrô geral desse fim de século.

Na Bahia do século 17, a ordem era imposta, contestada, deformada e sempre reposta como padrão civilizatório em vários registros e meios materiais _entre eles, a sátira atribuída a Gregório de Matos, cuja produção e consumo incluíam-se na ''política católica'' do império português.

Como uma prática fundamentalmente integrativa, então a sátira emanava do lugar sagrado do Rei-hipóstase de Deus, ou da Trindade, Potência do Pai, Sabedoria do Filho e Amor do Espírito.

Programática, a arqueologia da ruína satírica seiscentista reconstrói tensões, conflitos e mesmo contradições dos seus usos em seu tempo porque não quer o fóssil. A diferença arruinada do passado é, justamente, a medida crítica das petrificações do presente que efetuam ''Gregório'' como desmemória política e cultural.

Como Robinet demonstra para o ''Ancien Régime'', também na Bahia seiscentista a Potência subordina as outras primordialidades, assegurando o monopólio da violência da ''razão de Estado'' em nome da prudência política do governo cristão que declara visar ao ''bem comum''. O que se faz com Sabedoria e Amor, segundo a sátira, que glosa o absoluto da ordem. Não distingue ''público'' e ''privado''; ratifica a proibição da imprensa e a censura intelectual; aplaude o Santo Ofício da Inquisição e a caça à heresia; reitera ordens-régias e bandos que determinam a destruição de quilombos, a ''guerra justa'' ou massacres de índios, as devassas de foros falsos de fidalguia, de desvios de impostos e contrabando, de sedições de soldados e da plebe, de amores freiráticos, de sexo nefando, de blasfêmia e bruxaria. Antimaquiavélica, antierasmiana, antiluterana, anticalvinista, antijudaica, absolutista, contra-reformada, define as medidas da Potência como ações prudentes, amorosas e sábias. Insiste: devem ser complementadas pelo degredo, pelos açoites, pela forca, pelo garrote vil, pelo auto-da-fé e mais castigos, exemplares, não menos prudentes, exercidos com Sabedoria pela Potência pública em nome do Amor do todo. Como se lê, em outro registro, nas ''Cartas'' e nas ''Atas'' do Senado da Câmara de Salvador, em nome do ''bem comum do corpo místico do Estado do Brasil''.

Na dilatação da Fé e do Império desse ''corpo místico'', o satírico metaforiza a analogia com que Santo Tomás de Aquino define o terceiro modo da unidade de integração das partes do corpo humano no comentário do ''Livro 5'' da ''Metafísica'', de Aristóteles. A unidade do corpo pressupõe a pluralidade dos membros e a diversidade das funções. Sua perfeição, que é ordem, resulta da sua integração harmônica como instrumentos para um princípio superior, a alma. Por analogia, o ''corpus hominis naturale'', o ''corpo natural do homem'', é o termo de comparação para o ''corpo político do Estado'', doutrinado como integração hierárquica, concórdia e paz de indivíduos e estamentos, súditos, que o compõem.

Na sátira, a autonomia é a paixão máxima que pode afetar os corpos. Nela, o ''bom uso'' político do ''cada macaco no seu galho'' reatualiza o meio-termo racional da virtude da ''Ética Nicomaquéia'', adaptando-o ao elenco completo das virtudes cristãs, como meios e fins da colonização: defesa do território, controle da população, escravismo, catequese, combate à heresia, manutenção dos privilégios, ócio dos doces negócios do açúcar e do sexo.

Assim, a virtude do satírico metaforiza o conceito de superioridade social da racionalidade de Corte absolutista. Então, a superioridade só é mantida pela submissão política e simbólica às instituições. A submissão implica uma lógica da distinção pela subordinação à vontade real, à etiqueta e ao dogma. Afirma uma sátira ao Conde da Ericeira, que se suicidou jogando-se de uma janela: ''Quem cai da graça d'El-Rei/ cai da sua desgraça''. Outra, que identifica ''sodomia'' e ''judaísmo'' pela perspectiva da instituição real: ''Mandou-vos El-Rei acaso/ a Sodoma, ou ao Brasil? Se não viveis em Judá,/ quem vos meteu a Rabi?''. Ainda segundo o padrão da racionalidade de Corte, a identidade virtuosa do satírico e a não-unidade viciosa dos satirizados são compostas como representação e por meio da representação. A virtude alega signos de ''limpeza de sangue'', catolicismo, fidalguia, liberdade, discrição e masculinidade, opondo-se às representações que pretendem a autonomia que lhe subverte a superioridade pressuposta: ''Ou por limpo, ou por branco/ fui na Bahia mofino''. Em outra: ''Alerta pardos do trato,/ a quem a soberba emborca,/ que pode ser hoje forca,/ o que ontem foi mulato''.

A posição deriva da forma da representação e, sendo figurado como parte de um conflito de representações, o satírico joga com a dupla hierarquia do seu ponto de vista. Quando afirma sua virtude e constitui o vício como obscenidade ''contra naturam'', a (des)constituição do tipo prova metaforicamente a (im)propriedade política do ''topos''. Na sátira, a tipologia semântica de virtudes e vícios é uma topologia pragmática de posições hierárquicas.

Instituição, a sátira produz a perversão como exemplaridade da regra. Para tanto, apropria-se da retórica de Quintiliano, Cícero e Aristóteles; emula a poesia de Juvenal; cantigas de escárnio e maldizer; o Cancioneiro Geral, de Resende; Camões, Suárez, Melo, Rodrigues Lobo, Gracián, Saavedra Fajardo, Quevedo, Góngora, Botero, Tesauro... Aplicando padrões coletivos e anônimos _''... é já velho em Poetas elegantes/ O cair em torpezas semelhantes''_, opera com técnicas de uma racionalidade não-psicológica, que estiliza e deforma os discursos das instituições e da murmuração informal do lugar. Sem pressupor a expressão do ''eu'', a autoria, o mercado e a originalidade, compõe o ''público'', na representação, como representação teológico-política de ''discretos'' e ''vulgares'': ''O néscio, o ignorante, o inexperto,/ Que não elege o bom, nem mau reprova,/ Por tudo passa deslumbrado, e incerto''.

Suas deformações obscenas são reguladas pelos dois estilos do gênero cômico: o ridículo, adequado aos vícios fracos, e a maledicência, própria dos nocivos: ''Tudo, o que aqui vos digo,/ ora é zombando, ora rindo'', diz o personagem satírico. Em ''Gregório'', domina a variante maledicente: ''zombando''. No caso, o satírico é um tipo virtuoso e indignado contra a corrupção do seu mundo, conforme uma afetação retórica de indignação. Como na sátira de Juvenal, que imita, afirma que está às avessas e que sua indignação também é caótica, como se a fala fosse expressão informal de sua ira. A sátira, contudo, é uma arte do insulto que finge não seguir nenhuma arte: suas paixões são naturais, mas não são informais. A irracionalidade da indignação é construída racionalmente e sua obscenidade pressupõe, como dizia Klossowski sobre Sade, as normas que a tornam visível e emolduram. Na poesia católica chamada ''Gregório'', o obsceno é alegoria do pecado mortal, a infração hierárquica, que corrompe a unidade do ''bem comum''. A anatomia horrorosa de vícios, com que compõe tipos vulgares, não é subversiva ou transgressora da ordem. Também na vituperação dos ''melhores'', o desbocado do ''Boca do Inferno'' encontra a realidade não na empiria, mas nas convenções hierárquicas da recepção contemporânea, pautadas pela concordância quanto à imagem caricatural que elabora, enquanto mantém em circulação os estereótipos de pessoas, grupos e situações.

A sátira não é iluminista. Concebe o tempo qualitativamente, como análogo do divino. Quando dramatiza os discursos do ''corpo místico'', perspectiva-os pelo dogma da ''luz natural da Graça inata''. Seu estilo misto formaliza a percepção do destinatário como participação da visão física e espiritual na Luz refletida nas agudezas obscenas. Não tem autonomia estética. A visão é ordenada retoricamente por uma proporção óptica, que compõe o ''ponto fixo'' do juízo que avalia os efeitos. Quase sempre, são quiasmas _''amizades de um Visconde, favores de um Conde vis''; ''Senhora Dona Bahia, nobre e opulenta cidade,/ madrasta dos Naturais,/ e dos Estrangeiros madre''_, uma alegoria, cuja agudeza engenhosa lembra uma anamorfose. O ''pli'' deleuziano é, no caso, não a ilimitação do ornamental pós-moderno, mas a representação cenográfica da participação divina, que captura todas as suas espécies de efeitos na Unidade efetuada como pressuposto. Entre eles, o juízo agudo do satírico que produz a anamorfose.

As gracinhas de ''Gregório'' não conhecem o nosso psicologismo positivista. Muito menos, a negatividade da crítica iluminista, que acabou de debandar pós-utópica na revoada tucana. Seu etnocentrismo é de outra ordem: funde conceitos de estilo alto e baixo no misto deformado e satura-os com a unidade metafísico-política do absolutismo porque critica abusos repondo o bom uso. É ''theatrum sacrum'', nome que os jesuítas do tempo davam à representação em geral. Na interlocução das representações, o satírico é o ''discreto'' agudo e racional que aparenta as virtudes heróicas do perfeito cavaleiro cristão, o engenho e a prudência. Representação, sua identidade é ficção, estilo de aplicar estilos, efetuando e afetando aparências. Nelas, tipos e categorias sociais _''negro", "pardo", "índio", "cristão novo", "judeu", "comerciante", "mulato", "ourives", "puta", "sodomita"_ são a principal matéria satírica, porque identificados a vulgares viciosos. Vulgares porque doutrinados como naturalmente baixos, sem discrição; vulgares porque não sabem o seu lugar; vulgares porque pecam contra a natureza; vulgares porque se apropriam da convenção do "discreto" para com ela obter distinção e impor a classificação negativa a concorrentes. Segundo tópicas do mundo às avessas, a sátira reitera a natureza imutável do poder gravado nos corpos: ''Desejo que todos amem,/ seja pobre ou seja rico,/ e se contentem com a sorte/ que têm, ou que estão possuindo''.

João Adolfo Hansen é professor de literatura brasileira na USP, autor, entre outros, de ''A Sátira e o Engenho - Gregório de Matos e a Bahia do Século 17'' (Companhia das Letras/Secretaria de Estado da Cultura).

(in Folha de São Paulo, 20.10.96,caderno Mais!)

Ao invés de ou Em vez de????

Muita dúvida surge no emprego de “ao invés”, “invés” ou “em vez de” e é comum, uma vez que são muito semelhantes na grafia e também no significado.

Primeiramente, o termo “invés” é substantivo e variante de “inverso” e significa “lado oposto”, “avesso". Na expressão “ao invés”, o substantivo “invés” continua com o mesmo significado, contudo, é utilizada para indicar oposição a algo ou alguma coisa e, portanto, significa “ao contrário de”. Geralmente vem acompanhada da preposição “de”.

Observe:

A empresa de cobrança ao invés de enviar o boleto, optou pelo débito em conta.

Ao invés de protestar seu nome, conceder-lhe-ei uma nova chance.

O termo “invés” é substantivo e variante de “inverso” e significa “lado oposto”, “avesso".

Já a expressão “em vez de” é mais empregada com o significado de “em lugar de”, porém, pode significar “ao invés de”, “ao contrário de”. Observe:

A menina assistiu à TV em vez de filme. ( não poderá ser usado “ao invés de”, pois não há oposição de termos).

A professora, em vez de diminuir a nota do aluno, aumentou-a (a expressão “em vez de” poderia ser substituída por “ao invés de”, pois temos termos contrários “diminuir” e “aumentou”).

Se “em vez de” pode significar “ao invés de”, como poderemos identificar o emprego de ambas as expressões?

A expressão de “em vez de” pode ser empregada em múltiplas circunstâncias, desde que seus significados sejam mantidos. Já “ao invés de” poderá ser aplicada somente quando há termos que indicam oposição na frase, significando “ao inverso de”.

Por Sabrina Vilarinho
Graduada em Letras
Equipe Brasil Escola

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Cacofonia

Cacofonia, cacófato ou cacófaton, é o nome que se dá a sons desagradáveis ao ouvido formados muitas vezes pela combinação de palavras, que ao serem pronunciadas podem dar um sentido pejorativo, obsceno ou mesmo engraçado, como: por cada, boca dela, vou-me já, ela tinha, como as concebo e essa fada.

A cacofonia pode constituir-se em um dos chamados vícios de linguagem, e devem ser evitados, tanto na linguagem coloquial quanto na escrita.

Exemplos:

Você viu a boca dela? (cadela?)

Meu coração por ti gela! (tigela?)

Ganho dez mil cruzeiros por cada serviço. (porcada?)

Vou-me já! uhauauahauauahuauhuhahuauha

Os atores Leandro Hassum e Marcius Melhem no espetáculo "Nóis na Fita" demonstram as falhas da língua em meio a trocadilhos! Vejam que há muitos cacófatos na brincadeira também!
Curtam: NNF - Trocadilhos
http://www.youtube.com/watch?v=9mqPDvxKxCI

Abraços!